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Vale Tudo: o sucesso que transformou entretenimento em uma nova fronteira para o marketing e o varejo

17/10/2025 • Atualizado pela ultima vez 1 Mês

Atualidades
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A icônica pergunta que marcou a década de 1980 voltou a movimentar o país: “Quem matou Odete Roitman?”. Porém, desta vez, o mistério foi apenas parte de um espetáculo maior. O remake de Vale Tudo não só marcou um sucesso de audiência da teledramaturgia, como também inaugurou um novo capítulo na história do marketing nacional e, porque não, para o varejo. Segundo estimativas de mercado, a Globo já faturou cerca de R$ 200 milhões com a produção, integrando mais de 40 marcas à trama em publicidade integrada.

O resultado é um fenômeno que transcende a televisão: Vale Tudo se tornou um case de marketing e entretenimento (goste ou não das ativações) reposicionando o papel das marcas dentro da cultura popular e inspirando uma reflexão sobre o futuro da comunicação.

Entretenimento como plataforma de negócios

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A estratégia de product placemment vai muito além da inserção de produtos. As ativações da novela reverberam em redes sociais, plataformas digitais e no streaming, criando um ecossistema de visibilidade que amplia os resultados e conecta as marcas com o público em múltiplas telas.

Dener Lippert, fundador da V4 Company, aponta que o modelo adotado pela emissora representa uma virada de chave: “O que a Globo conseguiu com Vale Tudo foi elevar o patamar do product placement, transformando marcas em parte do enredo, e não apenas em figurantes na cena. É sobre autenticidade e narrativa. Estamos diante de um dos maiores exemplos de marketing integrado no Brasil. Marcas que entendem o poder do storytelling cultural ganham não só exposição, mas conexão real com seu público”.

Roberta Iahn, professora dos cursos de Cinema e Audiovisual e Comunicação e Publicidade da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), entretanto faz uma ressalva entre o marchandising visto como “um invasor” da cena e o encarado como elemento narrativo, dualidade muito presente nas reações dos telespectadores durante a exibição da novela.

“Vale Tudo tem sucesso comercial mesmo com a percepção do público de que o merchandising é visível, escancarado em toda a trama, revelando que a tolerância à publicidade invasiva tem um limite, já que inevitavelmente foi criticado ou mencionado como exagero de menções comerciais nas cenas durante os meses de exibição da novela. Quando uma marca se torna um elemento narrativo, ou seja, quando o uso do produto por um personagem ajuda a contar uma história ou o produto está inserido em um contexto de desejo aspiracional, como no caso da alta sociedade da novela, ela deixa de ser uma interrupção e passa a ser parte do setup cultural. A marca ocupa a mente do consumidor não pelo martelo da repetição, mas pelo significado que adquire ao se associar a uma emoção ou a um momento da trama”.

“Ou seja, o público não rejeita a presença da marca, mas sim a fricção que ela gera. A Globo teve como desafio em sua estratégia comercial transformar essa fricção em fluidez narrativa e engajamento digital. Dificilmente é possível uma marca não ser invasiva a partir do momento em que ela se comunica para ser vista pelo seu público. Ela quer estar em todos os pontos de contato viáveis com o seu público pretendido e isto não é natural, é estratégico”, completa Roberta Iahn.

Da crítica à conexão

Como citado pela professora da ESPM, em certos momentos, “não vale tudo”. A nova versão da trama chamou atenção não apenas pela história, mas também pela quantidade de inserções. Estima-se que a novela tenha exibido ao menos uma inserção publicitária a cada dois capítulos. Isso gerou tanto comentários elogiosos quanto críticas, inclusive o apelido de “Vende Tudo”. Mas para as marcas, o retorno do investimento compensa o risco.

“As empresas sabem muito bem o que significa ser lembrada por uma cena que impactou 125 milhões de pessoas. O product placement é uma estratégia global consolidada, usada por Hollywood há décadas, porque gera reconhecimento e influência direta nas vendas”, destaca Roberta Iahn.

A professora da ESPM complementa: “As ações de marketing mais eficientes em um momento de uma atenção fragmentada é o que se camufla dentro da cultura, o que podemos chamar de marketing de invisibilidade. A camuflagem não é no sentido de enganar, mas de se integrar perfeitamente ao contexto do entretenimento ou da vida do consumidor. A chave é a integração natural. Quando a publicidade não interrompe, mas sim complementa a experiência, ela ganha a batalha da atenção. A tecnologia permitirá a publicidade hipersegmentada, fazendo com que o anúncio seja tão relevante e contextualizado para o espectador individual que ele deixará de ser percebido como intrusão, tornando-se informação útil ou parte da narrativa. Ainda estamos buscando esta eficiência”.

A lógica da participação

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Mais do que vender inserções publicitárias, Vale Tudo criou uma experiência cultural, capaz de integrar narrativa, marcas e tecnologia em escala nacional. Ao transformar momentos de impacto em oportunidades comerciais, a Globo sinaliza uma mudança de paradigma: as marcas deixam de interromper para participar ativamente da cultura.

O sucesso do remake reforça uma tendência global: conteúdos que unem entretenimento e publicidade de forma fluida, sem atrito com a experiência do espectador. E, para o mercado varejista, a lição é clara, o futuro do marketing está em criar histórias com as pessoas, não apenas para elas.

A professora da ESPM explica: “As marcas só se tornam símbolos culturais quando elas param de falar sobre si e passam a fazer parte da conversação cultural. Isso significa que a marca precisa de capital cultural e relevância. O exemplo de Vale Tudo é claro: a marca não está vendendo apenas o produto, mas está associada à recriação de um fenômeno histórico e à conexão da Geração Z com a nostalgia de seus pais. Para ir além do consumo, a marca deve atuar como uma plataforma de conteúdo, patrocinando experiências, cocriando memes ou associando-se a temas sociais e narrativas populares de forma autêntica. O símbolo cultural é aquele que é adotado pelo público e não apenas vendido pela empresa”.

Roberta Iahn, porém, alerta: “Incluindo a perspectiva da fadiga das tendências de todo tipo, o mercado se tornou refém de momentos em vez de movimentos, esvaziando os sentidos das mensagens e trocas. Portanto, para se tornarem símbolos, as marcas precisam resgatar a profundidade dos movimentos socioculturais e evitar a superficialidade dos momentos de contato”.

O que o varejo supermercadista pode aprender com o movimento

A estratégia de Vale Tudo traz lições valiosas para o nosso setor, que já é um palco de experiências diárias de consumo e convivência com as marcas. Mais do que vender produtos, o novo desafio é contar boas histórias e criar conexões culturais com o público.

Confira algumas dicas práticas para o varejo supermercadista aproveitar esse movimento:

  • Transforme o ponto de venda em palco de storytelling: use o espaço físico para criar experiências que contem histórias. Uma promoção pode virar uma narrativa: um corredor temático, uma degustação com enredo ou uma gôndola instagramável que convide o consumidor a participar.

“Se o ponto de venda se torna um ponto de conteúdo, ele se transforma em um ponto de encontro, um local que gera inspiração. O varejo pode usar o entretenimento e o storytelling através do Retail Media e Telas Interativas. Usar telas digitais e QR Codes nos corredores para exibir minisséries de receitas curtas (conteúdo próprio ou patrocinado por marcas), tutoriais de uso ou entrevistas com chefs, em vez de apenas anúncios estáticos. A realidade aumentada (AR) também permite que o cliente aponte o celular para um produto e veja uma receita em 3D ou a história de um produtor. A gamificação é uma tática que sempre funcionou de diferentes formas, com as gincanas ou caças ao tesouro digitais dentro da loja, onde o prêmio é um produto ou desconto, gerando movimento para corredores de baixo tráfego. O storytelling aqui não é apenas contar, é envolver o cliente na história, tornando a jornada de compra uma experiência memorável e shoppable, garantindo que o cliente gaste mais tempo e atenção no ambiente com o clássico merchandising no ponto de venda”, analisa a professora Roberta Iahn.

  • Aposte em conteúdo e entretenimento próprio: lives de culinária, podcasts de bastidores do varejo, webséries com histórias reais de clientes e colaboradores, tudo isso reforça a presença da marca no cotidiano das pessoas. O conteúdo é a nova propaganda.

“É uma necessidade urgente. A Geração Z, que trouxe a alta audiência digital para "Vale Tudo", exige conteúdo e autenticidade. O varejo precisa se assumir como um estúdio de conteúdo de estilo de vida. Minisséries curtas no YouTube e no app do supermercado, focadas em "desafios culinários", "receitas em 1 minuto" ou "por trás das gôndolas" (mostrando a curadoria), podem ser totalmente patrocinadas por marcas. Experiências imersivas podem ser criadas com Realidade Aumentada, transformando a ida à loja em um jogo. O varejo tem a vantagem de que suas narrativas são inerentemente shoppable e úteis, pois o público está buscando soluções para a vida real (o que cozinhar hoje?). Ao criar narrativas proprietárias, o varejo deixa de pagar pelo tráfego alheio e constrói seu próprio patrimônio de mídia e seu próprio fan club”, enfatiza a professora da ESPM.

  • Integre marcas e parceiros de forma natural: assim como Vale Tudo, o segredo está na naturalidade da presença comercial. Em vez de empurrar publicidade, crie experiências conjuntas com fornecedores, de campanhas sazonais a ativações digitais, que realmente façam sentido para o consumidor.

“A principal lição que o supermercadista pode aprender é a da orquestração de ecossistemas e da monetização da conversa. A Globo não vendeu apenas um espaço, ela vendeu uma narrativa coesa que gerou um recorde de faturamento. O supermercado deve ver sua loja não como prateleiras isoladas, mas como um ecossistema de marcas que pode ser orquestrado para contar histórias em conjunto usando a integração temática, onde se cria pontos de conteúdo que integrem produtos complementares de marcas diferentes em torno de uma solução (ex: Noite de Pizza Perfeita com massa, molho, queijo e bebida de quatro marcas distintas). Não podemos esquecer da ativação omnichannel. Assim como a Globo usou o Globoplay e as redes para estender a narrativa, o varejo deve usar seu app, o Wi-Fi da loja e as mídias sociais para estender a narrativa e oferecer cupons ou receitas complementares ao que o cliente está vendo in loco. O objetivo é fazer com que as marcas parceiras se complementem dentro da experiência de compra, aumentando o ticket médio e a satisfação do consumidor”, sugere Roberta Iahn.

  • Use dados para conectar audiência e experiência: plataformas de retail media permitem que o supermercado atue como um “meio de comunicação”. Com dados de consumo e comportamento, é possível personalizar campanhas, oferecer mídia segmentada e ampliar o valor comercial dos espaços físicos e digitais.

“O supermercado já é um meio de comunicação poderoso. Independente dos novos entrantes e mudanças de hábitos do consumidor, o supermercado detém o dado de intenção de compra (o que o cliente realmente compra) e o momento da decisão. Com o retail media, ele se torna um meio programático e mensurável. O supermercado se transforma em um meio de comunicação próprio, assim como outros dvs como as farmácias. Os supermercados poderão monetizar dados de primeira mão, pois poderão segmentar e usar os dados de fidelidade e compra (first-party data) para oferecer às marcas anunciantes a segmentação de anúncios em telas in-store, no app e via e-mail marketing, garantindo que o merchandising atinja o público certo, de forma similar à hipersegmentação prometida pela TV 3.0. O supermercado pode integrar as telas digitais (TV in-store), o e-commerce, o app e os cupons personalizados (mídia digital) com a disposição física das prateleiras (mídia física), oferecendo às marcas métricas de venda real (o que o cliente comprou após ver o anúncio), fechando o ciclo e provando o retorno sobre o investimento, algo que o Ibope tradicional não consegue fazer com a mesma precisão”, pontua a professora.

  • Crie vínculos culturais com a comunidade: o entretenimento aproxima e humaniza. Ao apoiar iniciativas culturais locais, festivais gastronômicos ou ações de impacto social, o supermercado passa a ser parte ativa da história da comunidade, e isso é branding na sua forma mais genuína.

“O product placement ideal dentro do supermercado é a confluência das três coisas, com a narração de histórias via dados e mídia interna como principal catalisador. A disposição é a base (o hardware), mas é passiva. A experiência sensorial (degustação) é poderosa, mas pontual. O uso de dados e mídia interna para contar histórias é o software que une e potencializa o resto. O product placement ideal é quando o cliente, ao pegar um produto, é impactado por uma tela digital (mídia interna) que, baseada em seu histórico de compras (dados), exibe um vídeo (história) mostrando a melhor forma de usar aquele item ou uma harmonização perfeita. Ou seja, é a relevância programática envolta em narrativas como forma de influenciar a decisão de compra”, frisa Roberta Iahn.

Por fim, mas não menos importante, é preciso enxergar além e romper com as lógicas tradicionais para inovar, como finaliza a professora: “O varejo supermercadista, por sua frequência e proximidade, é o palco de inúmeras micro-histórias. Para transformá-lo em uma plataforma de narrativa, ele precisa sair da lógica transacional (‘apenas venda’) para a lógica relacional e de solução. Resolver o problema de alguém. Isso pode ser feito usando o ambiente de compra para contar histórias de origem, ou seja, transformar corredores de exposição de produtos em ‘telas’ que contam a história de um produtor local, do processo de uma receita ou a jornada de sustentabilidade de um produto. Os consumidores se envolvem cada vez mais com as experiências temáticas, criando cada vez mais cenários sazonais ou temáticos (ex: a feira italiana, churrasco de domingo) que guiam o consumidor em uma jornada de descoberta de produtos e receitas, não apenas uma lista de compras. Oferecer degustações guiadas ou aulas de culinária no local, transformando o ato de provar em um evento social e cultural também são situações criadas para manter a experiência local relevante. Em essência, o supermercado precisa se tornar um editor de conteúdo de estilo de vida e não apenas um depósito de produtos”.