
Do preço à conexão humana: o que está impulsionando o novo modelo de varejo

O conceito de “valor” no varejo supermercadista passa por uma transformação profunda. Antes associado quase exclusivamente ao preço, ele agora engloba conveniência, bem-estar, qualidade, experiência, nutrição, propósito e vínculo social. Essa mudança tem levado redes e fornecedores a reposicionarem suas estratégias para atender um consumidor mais exigente e consciente.
A geração Z, em especial, demonstra maior vulnerabilidade emocional, com índices crescentes de solidão e depressão — muitas vezes agravados por relações superficiais e excesso de interações digitais. Nesse cenário, o varejo ganha um novo papel social. “Afinal, por que não usar o espaço da sua marca para gerar conexões reais?”, questiona Juliana Neves, CEO da Kube Arquitetura. Para ela, criar ambientes que estimulem pertencimento e experiências humanas pode ser um importante diferencial competitivo.
Esse movimento é reforçado pela análise de Leslie G. Sarasin, presidente e CEO da FMI — The Food Industry Association, destaca que a comida continua sendo o mais antigo e poderoso agente de conexão social. “Seja uma celebração, um churrasco no quintal ou um simples jantar após um longo dia, a comida aproxima famílias, amigos e vizinhos de um jeito que constrói comunidade e fortalece relações”, afirma.
A executiva lembra ainda que iniciativas como o Family Meals Movement têm incentivado mais famílias, ao longo de todo o ano, a desfrutarem dos benefícios de compartilhar refeições — hábito associado a dietas mais saudáveis, maior consumo de frutas e vegetais, além de melhorias na comunicação, na expressão emocional e na capacidade de resolver problemas em conjunto. “Acreditamos que refeições em família são a base de famílias, comunidades e, em última instância, de uma nação mais saudável”, diz Sarasin.
O varejo supermercadista tem respondido a esse novo mindset ampliando sortimento fresco, fortalecendo áreas de pronto consumo, diversificando marcas próprias e oferecendo soluções completas para o dia a dia. Lojas se transformam em destinos que combinam alimentação, saúde, bem-estar, serviços e experiências — e não apenas pontos de abastecimento.
O movimento se reflete também na Indústria. Segundo o relatório internacional The Food Retailing Industry Speaks 2025, fornecedores estão priorizando inovação em produtos com atributos nutricionais e voltados ao bem-estar, além de ampliar assortments orgânicos, multiculturais e de marca própria. Quase 80% dos varejistas já atuam com departamentos dedicados à saúde e bem-estar, incluindo nutricionistas in loco, serviços de farmácia e programas educativos.
A conexão com a comunidade também ganhou protagonismo. Dados da FMI apontam que 95% dos fornecedores e 81% dos varejistas participam de iniciativas sociais que vão de campanhas contra a insegurança alimentar a voluntariado, educação nutricional e apoio a programas de saúde pública. O setor responde por quase metade das doações aos bancos de alimentos dos Estados Unidos — reflexo de um compromisso que vai além da lógica comercial. Como resume Sarasin, “não existe substituto para reunir uma família em torno da receita da avó ou dividir um prato com um vizinho”.
No Brasil, esse cenário dialoga diretamente com a busca por mais propósito, praticidade e qualidade. O consumidor reconhece a loja como um espaço de convivência e, cada vez mais, como elemento central na rotina da comunidade onde vive. Paralelamente, o avanço do omnichannel, o fortalecimento do retail media e o uso de dados para personalização vêm ampliando o alcance e a eficiência das estratégias de engajamento.
Para 2026 e os próximos anos, especialistas apontam que a competitividade no varejo supermercadista dependerá da combinação entre eficiência operacional, curadoria de sortimento, integração de canais, responsabilidade social e capacidade de gerar boas experiências. Valor, hoje, é resultado de múltiplos fatores — e não de um único indicador. E o varejo que melhor compreender essa nova lógica tende a liderar um mercado cada vez mais complexo, dinâmico e orientado pelo comportamento humano.

