Por dentro da mente do consumidor: Estratégias de neuromarketing em ação
Psicóloga Inês Cozzo aponta maiores desafios para empresas que querem implementar estudo
Você sabia que uma simples mudança na cor de uma embalagem pode influenciar sua escolha sem que você perceba? Esse é o poder do neuromarketing, a ciência que explora os mistérios do comportamento do consumidor e que vai direto ao cérebro para entender o que realmente nos motiva a comprar.
Quem ensina é a especialista na aplicação de neurociências para o desenvolvimento de pessoas e de negócios, a psicóloga Inês Cozzo. Há 40 anos estudando o tema, ela explica que num número extraordinariamente grande de vezes tomamos decisões sem perceber o porquê. E que é o neuromarketing que tenta desvendar esses mistérios, mostrando como cores, sons e, principalmente, cheiros podem influenciar nossas escolhas sem que a gente note.
Nessa conversa com a ASSERJ, a especialista começa explicando que é neurologicamente impossível absorver a realidade tal e qual ela é porque dependemos dos nossos estados internos e externos (60 mil por dia) e das nossas crenças, que mudam com o passar do tempo. Então, quando revisitamos uma experiência, ela pode parecer muito diferente do que lembramos.
O problema, conclui, é que quando respondemos a pesquisas somos altamente influenciados por falsas memórias e pelo impacto emocional que uma experiência (ou marca) nos causou num dado momento de vida, e isso costuma resultar numa pesquisa totalmente enviesada e, portanto, falsa e inócua.
“Enquanto o marketing tradicional estuda o comportamento do consumidor através de pesquisas, entrevistas e dados (todos enviesados), o neuromarketing vai direto na fonte – o cérebro – para descobrir quais áreas de fato estão sendo ativadas quando o estímulo chega para nós. Ele usa técnicas científicas para entender como nosso cérebro reage a anúncios, produtos e marcas. Em vez de perguntar o que você acha de um comercial, podemos analisar suas reações cerebrais para ver o que você realmente sentiu”, ela esmiúça.
“Mais de 90% das escolhas são feitas de forma emocional”
Os princípios neurocientíficos mais usados no neuromarketing atualmente incluem entender o que captura a atenção das pessoas, identificar quais emoções são desencadeadas por certos estímulos, ver o que ajuda as pessoas a lembrar de uma marca ou produto e compreender como escolhas são feitas no cérebro:
“Mais de 90% dessas escolhas são feitas de forma emocional! Alguns dizem, inclusive, que é 100% de forma emocional e que, depois de decidir, apenas utilizamos a lógica e a razão para justificar essa decisão”.
Entre as estratégias de neuromarketing usadas de forma inovadora, Cozzo cita a da Coca-Cola. E explica que a marca usa o neuromarketing para testar embalagens e campanhas publicitárias, garantindo que elas causem o impacto desejado. Mas também aplicam os princípios em seus comerciais/campanhas de venda usando storytelling com uma propriedade que só de algumas décadas para cá outras marcas começaram a usar como O Boticário, Itaú e Bradesco:
“Toda marca que conta uma história ao invés de oferecer explicitamente seu produto está utilizando técnicas e princípios de neuromarketing. A Nike é outra bem conhecida que também utiliza essas técnicas para entender como seus anúncios motivam e inspiram as pessoas.”
Técnicas como eye-tracking, análise de emoções e estímulos cerebrais estão ajudando marcas a entender seus consumidores, Cozzo lista. Entenda cada uma:
Eye-tracking: Rastreia para onde estamos olhando em um anúncio ou site, ajudando a posicionar melhor informações importantes.
“Tem um exemplo de que eu gosto muito e que circula direto pela internet que é um post dizendo: ‘Você vai olhar aqui primeiro, depois aqui e por último aqui”. Esse post mostra a influência tanto do posicionamento da frase quanto do tamanho das fontes.
Análise de emoções: Observa expressões faciais para identificar como nos sentimos em relação a um produto mas, nesse quesito, tenho uma ressalva a fazer. A base teórica de tudo que se pesquisava sobre emoções e que se “sabia” (ou achávamos que sabíamos) a partir dos 8 anos de estudo sobre o tema pelo psicólogo Paul Ekman está em cheque atualmente.
O motivo são os 35 anos de pesquisa da também psicóloga e neurocientista Linda Feldman Barrett. Suas descobertas fizeram com que muitas dúvidas recaíssem sobre a teoria que usávamos, uma vez que ela não encontrou nenhuma evidência neurocientífica nos estudos estatísticos e subjetivos usados para conduzir a primeira pesquisa. Ela tem um TED chamado “você não está à mercê de suas emoções; seu cérebro as cria.”
Estímulos cerebrais: Usando equipamentos como EEG (eletroencefalograma), as marcas podem ver quais partes do cérebro são ativadas por certos estímulos.
“Somos relativamente previsíveis; não completamente previsíveis”
Apesar de ser uma ferramenta poderosa, o neuromarketing não é uma bola de cristal, Cozzo atenta. Sua recomendação é que seja utilizado juntamente com as ferramentas tradicionais do MKT.
“O neuromarketing pode indicar tendências e probabilidades, mas cada pessoa é única. Ele ajuda as marcas a entenderem melhor o público, mas não garante 100% de precisão. Nada que se conheça já tem essa capacidade. Somos relativamente previsíveis; não completamente previsíveis.”
Além disso, existe todo um limite ético envolvido para o uso do neuromarketing. Para garantir que as estratégias respeitem os direitos dos consumidores, Cozzo aconselha que as empresas sejam transparentes e respeitem a privacidade.
“Usar técnicas para influenciar decisões sem o conhecimento do consumidor levanta questões éticas. Regulamentações e códigos de conduta ajudam a garantir que os direitos dos consumidores sejam protegidos.”
Na sua avaliação, a forma mais ética de utilizar o que se sabe através da neurociência aplicada ao MKT é buscar influenciar o comprador para a marca que representamos, e não instigá-lo à compra simplesmente.
“Há preocupações de que técnicas possam ser usadas para manipular as pessoas sem que elas percebam. Por isso, é crucial que haja discussão e monitoramento sobre como o neuromarketing é aplicado. Principalmente na neuropropaganda aplicada na política, eu diria.”
Entre os maiores desafios para empresas que querem implementar estratégias de neuromarketing de forma eficiente estão os custos altos com equipamentos e pesquisas, interpretação de dados, com auxílio de pessoal especializado e questões éticas que respeitem o consumidor.
E finaliza listando dicas para clientes não serem tão facilmente influenciados por essas estratégias:
Esteja atento: Saber que essas técnicas existem já é um grande passo.
Reflexão antes da compra: Pense se você realmente precisa do produto ou se está sendo influenciado. Quase sempre uma decisão de compra (que, segundo os estudos da neurociência, é quase sempre de impulso) não sobrevive à uma voltinha no shopping (ou no site). Gostou, salva numa pasta (ou tira uma foto do produto e da loja) e reveja depois. Se envolver alimento, procure estar saciado(a) ou acabará comprando muito mais do que precisa de fato.