Papo exclusivo com a especialista em vendas Flavia Mardegan. Confira seus valiosos insights!
“Não existe jornada excelente do cliente se a jornada do colaborador não é boa”
“No varejo, não basta vender produtos, é preciso contar histórias, se conectar com pessoas e transformar a experiência de compra em algo significativo”, afirma Flavia Mardegan, especialista em vendas e atendimento com 28 anos de experiência. Defensora da humanização no setor supermercadista, ela acredita que a interação entre equipes e consumidores é o coração de um varejo bem-sucedido.
Em entrevista à ASSERJ, a autora do recém-lançado livro “Vendas: Ciência ou Intuição?” (Gente), aborda o papel estratégico do relacionamento no ponto de venda, a importância de treinar equipes para atender às expectativas dos consumidores e como alinhar tecnologia e humanização para criar uma jornada de compra eficiente e encantadora. “Não existe jornada excelente do cliente se a jornada do colaborador não é boa”, reforça.
Leia os principais trechos
ASSERJ: Qual é o papel da intuição nas vendas em um mercado cada vez mais orientado por dados?
Flavia Mardegan: O papel da intuição vai ficando cada vez menor, porque venda não é intuição, venda é estratégia. Então, a gente precisa saber analisar os dados. É claro que a gente usa o nosso feeling. Quem tem muita experiência chama de intuição, mas não é. É experiência, é você saber olhar para o cliente, é saber interpretá-lo. Eu interpreto o meu cliente, eu olho para ele, eu entendo de gente. Isso é uma coisa, e eu preciso entender cada vez mais de pessoas, mas eu preciso saber analisar números, sem dúvida nenhuma.
Como transformar um atendimento de rotina em uma oportunidade de venda encantadora e eficaz no setor de varejo?
Para o varejo, o atendimento, independentemente de qualquer coisa, precisa ser cordial e cortês. O vendedor precisa se conectar com o cliente. Parece que não, mas o cliente retorna várias vezes naquele supermercado, naquela padaria. Quanto mais ele estiver conectado com os atendentes, melhor. Eu, por exemplo, frequento um grande supermercado perto da minha casa onde um dos caixas sabe o meu nome e eu sempre dou um jeito de passar as minhas compras com ele, para saber como ele está. No varejo, a gente precisa se conectar com as pessoas. Não é porque tem um alto fluxo que não precisa dessa conexão. O relacionamento no varejo é super importante.
Quais sinais ou comportamentos o atendente deve observar para propor soluções que atendam às necessidades do consumidor?
Ele precisa perguntar ao cliente, sempre. Uma vez que ele se conecta ali, entende, cria ali o primeiro vínculo, ele precisa perguntar o que o cliente precisa. Ele não tem que adivinhar a gente; ele tem que perguntar. Ele tem que entender qual produto o cliente quer e para qual finalidade e, junto a isso, o que ele espera que aquele produto traga. Se for um presente, [perguntar] para quem e qual é a característica da pessoa, para que ele possa indicar a solução mais adequada e dentro do que o cliente pode pagar. É importante também saber adequar as soluções, os produtos ao quanto o cliente pretende investir.
Quais são as estratégias mais eficazes para implementar técnicas de cross selling e up selling em supermercados, considerando o ritmo acelerado desse ambiente?
Nesse caso, as técnicas de cross selling (venda cruzada) e up selling (upgrade do produto ou serviço) precisam levar em conta a questão do PDV (ponto de venda), sua arquitetura e design e o visual merchandising ajudando no aumento dessa venda, inclusive de produtos afins. Eu coloco produtos afins perto. Se eu estou vendendo macarrão, eu vou ter o molho de macarrão, queijo, tudo que pode compor esse prato por perto. Quantas vezes eu, por impulso, comprei um produto considerando esse ingrediente dentro da minha receita porque eu esqueci de ver se eu tinha ele em casa? É uma venda muito por impulso. O produto, mesmo dentro do supermercado, precisa contar uma história e isso é importante considerar.
Em que medida o atendimento humanizado impacta diretamente a decisão de compra e a fidelização de clientes?
O atendimento humanizado impacta em 100% na personalização, na fidelização do cliente. As pessoas querem pessoas, as pessoas não estão querendo mais falar com máquinas. Elas querem contato físico, conversar, aprender. O ponto físico vira ambiente de experiência, não só o ponto de venda. Então, ter esse atendimento humanizado é fundamental.
Quais habilidades você considera indispensáveis para profissionais que atuam no atendimento ao cliente no varejo?
Ele precisa ver o varejo como uma opção de carreira e não como a primeira opção de emprego, que é o que muitas vezes acontece. O vendedor do varejo deve ser rápido em se conectar, em fazer leitura para poder acolher esse cliente. As habilidades que ele precisa desenvolver são as de relacionamento. É claro que ele tem que conhecer o produto, o PDV, mas antes de tudo ele deve conhecer e estar preparado para se conectar com pessoas, gostar de gente.
Em tempos de mudanças no comportamento do consumidor, como reestruturar a estratégia comercial de uma empresa para se manter competitiva?
Varia muito do segmento do produto que você vende. Para montar uma boa estratégia, você precisa entender o seu cliente, saber o que ele espera de você e como ele quer ser atendido. Acho que esses são os pontos fundamentais. O varejista conversa pouco com o cliente e eu acho que vale incentivar a linha de frente, a equipe de vendas, a conversar com seu cliente, ver o que ele busca, como ele quer ser atendido, o que ele espera. Assim será mais fácil desenhar uma jornada de compra bacana, que fidelize.
Quais são os maiores desafios e recompensas de preparar equipes para alcançar excelência em vendas?
Eu acho que o primeiro desafio para treinar uma equipe comercial é ter treinadores preparados. E quando eu falo de treinadores preparados, não são só os treinadores que sabem atender e vender, são os treinadores que sabem ensinar. Isso é bastante importante: encontrar e desenvolver essa pessoa. E quanto aos benefícios, são inúmeros, porque o treinamento diminui, inclusive, o turnover (rotatividade de funcionários). Mudou o perfil não somente do consumidor, mas também do trabalhador. Ele quer trabalhar numa empresa onde ele possa crescer, aprender, se desenvolver, ter um plano de carreira. E treinamento é a base de tudo. A pessoa se sente valorizada, que a empresa está investindo, sente a necessidade de devolver para a empresa tudo que está recebendo.
O treinamento, na verdade, é um grande filtro para você saber em quem você pode investir na sua empresa e em quem não pode. Quanto mais turnover a empresa tem, menor a fidelização e o relacionamento com o cliente, porque cada vez que o cliente vai na loja é atendido por uma pessoa diferente, e isso prejudica muito a empresa. Então treinar favorece em vários aspectos, desde o aumento de resultado, da lucratividade e a diminuição do turnover. Um desafio também é o tempo. Tirar o vendedor da linha de frente para treinamento é um grande desafio. Mas quanto custa para você ter um vendedor atendendo mal o seu cliente? Então é importante trabalhar os horários, dedicar uma verba para o treinamento, porque é isso que vai garantir a satisfação do seu cliente. Pense que eu preciso ter uma jornada excelente do meu colaborador para que o meu cliente tenha uma jornada excelente, consequentemente. Não existe jornada excelente do cliente se a jornada do colaborador não é boa.
Como integrar tecnologia e humanização no atendimento, garantindo que as ferramentas digitais complementem o trabalho das equipes?
O importante é não esquecer das pessoas nesse processo. A tecnologia não vai fazer o trabalho de relacionamento. Ela pode até criar uma jornada de compra e uma experiência bacanas, mas ela não vai fazer relacionamento com o seu cliente.
O setor supermercadista está sempre lidando com margens apertadas. Quais estratégias você recomendaria para aumentar o ticket médio sem afastar os clientes?
O que facilita é ter uma equipe preparada para mostrar o valor agregado do produto, pois o mercado é agressivo e delimita bastante a margem. A minha dica é que o PDV tenha um storytelling do produto para que o cliente enxergue que vale a pena a aquisição dele.
Quais tendências no atendimento e vendas você acredita que serão cruciais para o varejo nos próximos cinco anos?
O cliente quer, cada vez mais, principalmente no varejo, uma compra rápida e sem atrito. Ele quer entrar, comprar, pegar o que ele precisa, aprender sobre um produto novo. Então é interessante ter uma novidade, o storytelling que conta a história daquele produto, ter áreas dentro do supermercado, por exemplo, de bem-estar como a de uma alimentação mais saudável, onde o cliente entende que ele pode pegar algo que vá mudar o dia dele, trazer ali alguma questão afetiva dentro do supermercado. Eu acho que o cliente quer ter uma experiência mais próxima com as marcas, ver que as suas necessidades são atendidas dentro daquela unidade de negócio, que o que ele busca tem lá.
Outra tendência também é que os consumidores querem sentir que os varejistas impactam a sociedade de alguma forma, que eles intervêm na sociedade na qual estão inseridos, que levam algum desenvolvimento para a região onde estão. Tudo isso muda também. A loja não pode ser só um ponto de venda. Às vezes, com um ponto de coleta ou uma promoção social, ele se engaja com a sociedade onde está inserido, mostrando que, de alguma forma, pode transformar essa sociedade.