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"Sair dos achismos e colocar o dado na essência do negócio", a liderança humanizada em tempos de inteligência artificial

13/08/2025 • Last updated 3 Months

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Liderar é um desafio, independentemente de segmento ou área. Mas em um cenário cada vez mais automatizado e impulsionado por tecnologias como a inteligência artificial, gerir equipes se tornou uma tarefa ainda mais complexa. Como se atentar as pessoas, tomar as melhores decisões e, ao mesmo tempo, conduzir negócios? Como unir tecnologia, sensibilidade e propósito para desenvolver uma liderança adaptativa, humana e estratégica em um ambiente cada vez mais automatizado? Decifrar esse contexto foi o tema do painel "Liderança em tempos de IA", no palco do Conecta Varejo / Rio Innovation Week, nesta quarta-feira, 13 de agosto, com a participação de Ricardo Zucollo, vice-presidente de vendas da Unilever, e do jornalista Pedro Dória.

IA: um ponto de inflexão

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"Eu escrevo há anos sobre tecnologia. Tempo o suficiente para ter escrito matéria em jornal explicando o que era e-mail, provedor... E eu te falo que há três anos que eu considero anos-chaves na tecnologia nesse período. Em 1995, quando a internet explodiu. 2007, quando o iPhone apareceu, o primeiro smartphone. E outro é 2022, que de formas diferentes, até o lançamento e desenho do chat GPT, as pessoas olharam pra inteligência artificial e... uau! E eu acho muito incrível que ainda existam momentos-chaves acontecendo. Agora, inteligência artificial, se pro mundo apareceu de repente, para quem trabalha com tecnologia já vem um pouco de antes", ressaltou Pedro Dória.

Para Dória, o verdadeiro diferencial da IA está em sua capacidade de identificar padrões, gerar hipóteses e estimular o raciocínio humano: "Muitos usam a ferramenta fazendo uma pergunta, pegando a resposta e pronto. Quando o melhor uso da ferramenta é entrar em um diálogo quase socrático com a ferramenta. E isso é gente. A qualidade do profissional começa a virar a habilidade de ter uma conversa e fazer perguntas inteligentes e saber, a partir das respostas da ferramenta, o que fazer. Então, muda o que se espera de um profissional, mas a pessoa não deixa de estar lá.

"Machine learning, o aprendizado de máquina, é essencialmente a primeira geração de inteligência artificial, existe desde 1955, só que só temos a máquina que é potente e com armazenamento suficiente para fazer com que essa tecnologia seja viável muito tempo depois. E a maior parte das empresas só começou a prestar atenção depois de 2010. Aprendizado de máquina é uma maravilha, porque você percebe padrões de comportamento que se repetem. Isso quer dizer que se você é um varejista, por exemplo, você percebe que produto vende mais para que tipo de público, qual é a sazonalidade. Às vezes você tem que botar mais um produto aqui, menos de outro. Às vezes você tem que focar em mulheres, mas você tá focando em homem. Esses dados revelam coisas incríveis que permitem alavancar muitas coisas. dado. E qual é o problema do aprendizado de máquina? Você precisa de dados. Você precisa de cada registro de venda", concluiu Dória.

Case Unilever: 10 anos de transformação e construção em parceria fundamental com o varejo

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O vice-presidente de vendas da Unilever detalhou todo o processo de imersão da empresa no mundo dos dados para desenvolver a melhor estratégia possível, contando com a ajuda de varejistas parceiros: "É um desafio. Em 2015 tivemos esse insight, de que precisaríamos nos preparar. E a matéria-prima disso são os dados, mas naquele momento tínhamos poucos dados. Então, começamos a trabalhar junto com os nossos parceiros comerciais. Uma influência pra mostrar o benefício do compartilhamento, e a confiança que precisaria ser criada nessa relação, para que esses dados fossem usados em prol do negócio e não apenas naquele momento de negociação. Não foi fácil. Em 2015, os dados de mercado que tínhamos cobriam mais ou menos 5% do mercado. Hoje temos 95% de cobertura. 10 anos se passaram e conseguimos evoluir. Como fizemos? A primeira coisa é essa relação de cobertura. Confiança que sempre criamos no varejo brasileiro e mostrando isso de maneira muito prática. No Brasil, naquele momento, não tínhamos tantas iniciativas práticas para convencer os nossos clientes que o compartilhamento de dados poderia ser muito poderoso. Então, o que fizemos? Convidamos um grupo importante de varejistas brasileiros, que acreditávamos que ia nos ajudar nesse processo de influência. Investimos nisso. Contratamos uma empresa voltada para essa questão de evolução de cultura de dados dentro das organizações e fizemos um assessment nas empresas desses varejistas para mostrar qual era o nível de cultura de dados que existia dentro da empresa. Nenhuma grande surpresa, todos eles com o nível baixo de dados. Eles sim ficaram surpresos, porque viram que o nível de cobertura de dados dentro das organizações era praticamente zero".

"Começamos com três pessoas e um líder dessa área, que era um profissional que conhecia o negócio, mas ele também conhecia muito sobre tecnologia. Então foi importante ter essa pessoa sendo esse elo de ligação. Começamos pequeno. Queríamos começar rápido e pequeno, para testar, ver como as coisas funcionavam, errar rápido e corrigir isso ao longo do tempo. Então fomos evoluindo nesse processo, convencendo os nossos clientes, capturando mais dados, transformando esses dados em ações, ganhando a confiança deles, e isso foi evoluindo. Uma outra coisa importante, que eu acho que ajudou muito nesse processo, foi a recompensa não vir só no final. Ela também começou a aparecer no curto prazo. Ou seja, também criamos alavancas comerciais dentro da nossa relação com o varejo, onde começamos a criar remuneração para os varejos que compartilhavam os dados conosco. Priorizamos essa alavanca como muito importante, para que o varejo também entendesse que tudo isso não era simplesmente algo pontual ou tático, para mostrar que realmente tinha muito interesse nisso e se acreditava muito nisso. E aí foi um processo de alguns anos para que essa base fosse aumentando e hoje não existe nenhum tipo de negociação, nenhum tipo de discussão que não seja baseado em dados e que não tenha isso no centro da nossa estratégia", prosseguiu Ricardo Zuccollo.

Em sequência, afirmou: "Quando olhamos todo esse processo fomos comparando a performance de clientes com os quais tínhamos os dados e clientes com os quais não tínhamos. Começamos a ver que o nível de crescimento dos clientes que estavam conosco nessa agenda era muito superior. Crescíamos a duplo dígito alto com vários clientes que estavam nessa agenda e não crescia na mesma proporção com aqueles que não estavam. O nível da relação, o nível da conversa é outro. Você começa a ter discussões muito mais profundas, muito mais assertivas. Você sai dos achismos, o que realmente coloca o dado na essência do negócio, e ele começou a ver valor. E aí, quando ele começa a ver valor, você começa a conseguir evoluir com mais velocidade".

Use a tecnologia, mas envolva pessoas

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Zuccollo também pontuou que a jornada envolveu assessments de maturidade em dados, criação de incentivos comerciais, desenvolvimento de lideranças tecnológicas e capacitação interna: "Nesse processo, desde o começo, sempre nos preocupamos muito com duas coisas: investir muito na tecnologia por trás disso, mas também investir o mesmo valor no change management, na mudança, na criação de cultura. E, desde o começo, envolvemos as pessoas nesse processo, criando ambientes que propiciassem essa visão de inovação, essa visão de evolução tecnológica. Dentro da empresa tínhamos o que chamávamos de 'garagem de inovação'. Criávamos ali dentro iniciativas onde oferecíamos aos funcionários a possibilidade de trazerem ideias relacionadas ao tema, disponibilizando um valor em dinheiro para que essas pessoas investissem na ideia delas dentro da empresa. O intraempreendedorismo é muito forte para implementar essa cultura empreendedora e de inovação. Criamos um centro de dados, que chamamos de Data Hub, que também usávamos para criar essa cultura, onde as pessoas usavam esse Data Hub para fazer reuniões, em uma sala cheia de telas com os dados aparecendo nas telas. Então, tinha um ambiente propício para aquilo, e usamos aquilo como um ambiente de cultura".

"Muita capacitação, muita capacitação. Desde a autoliderança até os executivos. Mas certamente a autoliderança estava muito engajada nesse processo. E fizemos muita questão de que as pessoas entendessem o porquê daquilo. Acho que isso foi fundamental. Mais do que simplesmente implementar uma ferramenta e dizer 'agora você usa isso daqui', foi explicar o porquê e envolver as pessoas desde o início desse processo. Isso fez uma diferença enorme para ir moldando essa cultura. E as pessoas sempre no centro do processo. As pessoas sendo valorizadas a todo momento para trazer ideias novas, para que pudessem dar suas opiniões. Sabemos que isso não é fácil. Também fizemos um trabalho relacionado à criação da segurança psicológica dentro da organização, para que as pessoas pudessem falar, para que pudessem ser elas mesmas, para que pudessem criar junto. Esse termo de segurança psicológica, hoje em dia está até em alta, mas isso vem lá de trás, de um estudo que foi feito no Google no final dos anos 90, começo dos anos 2000. Tem uma pesquisa, 'Organização Sem Medo', da autora Amy Edmondson. Ela estudou o Google para entender por que o Google é uma empresa tão inovadora, por que as ideias surgiam, e a essência do estudo dela mostra que é um lugar onde as pessoas podem ser elas mesmas, onde podem falar, colocar opinião, sem serem julgadas. Pelo contrário, são incentivadas a fazer aquilo. Ela observou que as equipes onde você tinha mais erros eram as equipes com melhor performance. E a hipótese original era outra: que as equipes que erravam mais seriam as equipes com menor performance. Mas não. As equipes que erravam mais eram as que tinham melhor performance, porque aprendiam mais rápido. E isso fazia com que entregassem um resultado melhor. Então, baseado nessa lógica, fizemos isso também dentro da Unilever, para criar esse ambiente propício à inovação, ao engajamento nesse tema que, naquele momento — 2016, 2017 — ainda não era a febre que é hoje. Hoje falamos de inteligência artificial com muita naturalidade. Naquele momento, as pessoas não conseguiam entender ainda o que ia acontecer. Mas já sabiam que esse era um processo no qual precisavam estar envolvidas, e a fomos incentivando esse envolvimento desde o começo", continuou o VP de Vendas da Unilever.

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Zuccollo ainda frisou, não tenha medo da IA, adapte pessoas. "Isso tudo passa pelas pessoas. Forço muito isso. Se eu pegar o job description de um vendedor há dez anos, e hoje, ele mudou o tipo de atividade que ele faz, mas ele tá lá, e o que cada vez mais é importante, e vai se fortalecendo. Tudo aquilo que puder ser automatizado, vai ser, se já não é, vai continuar sendo. Tudo aquilo que puder ser digitalizado, ninguém tem dúvida que vai ser. Tudo aquilo que puder ser descentralizado, vai ser, e nós estamos nesse processo de descentralizar as decisões, para que as pessoas tenham velocidade e autonomia na ponta para tomar a decisão e resolver o que tem que resolver. Só que as pessoas precisam evoluir no sentido da essência humana, então quais são as habilidades ou as competências que a gente vem ter? Trabalhando e evoluindo muito com a nossa equipe. As relações humanas, a empatia, a intuição, como você faz as coisas e cria conexões verdadeiras, que são coisas que nenhuma inteligência artificial vai conseguir fazer. Então, acho que esse é um processo que agora está fortalecendo muito para que essa relação humana, que tenha a ver muito com autoconhecimento, para que você entenda quem você é, para que você entenda quem é a pessoa que está trabalhando com você, você entenda mais profundamente as relações para que isso de fato seja um diferencial. Porque toda aquela parte técnica, que talvez muitas pessoas ao longo do tempo foram se ancorando por ter conhecimento profundo, a máquina vai fazer muito melhor, a inteligência vai fazer com muito mais velocidade, com muito mais precisão. O importante é você saber usar a inteligência artificial, essa retroalimentação, porque à medida que você faz a pergunta para a inteligência artificial, ela vai te responder. Aí você quer melhorar aquela pergunta. Ela também vai fazer você ter que pensar diferente. Então a consciência vai aumentando de como ter essa relação de tal forma que você vai evoluindo como ser humano. Então eu particularmente acredito muito nisso. Vamos nos obrigar cada vez mais a evoluir como ser humano porque essas são as características que precisaremos ter para se diferenciar no futuro. E é isso que eu falo para o meu time. Não fique com medo, mas avance nesse sentido. Aprenda a evoluir junto com a inteligência tradicional. Essa combinação é muito potente. Porque uma coisa isolada não vai resolver. São as duas coisas juntas que vão trazer o resultado", disse Zuccollo.

Lideranças humanas, estratégicas e adaptativas

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Encerrando o painel, Zuccollo fez um chamado para o futuro da liderança: "Eu acho que lideranças humanas, são lideranças que cada vez mais se preocupam. As pessoas também vão se desenvolvendo nesse sentido. Eu acho que a inteligência artificial vai trazer essa necessidade de você estar evoluindo junto com ela, porque acho que ela vai te desafiando. Porque hoje quando você está no ChatGPT, você faz uma pergunta e ele te responde com uma pergunta. Então uma qualidade do futuro é a curiosidade. Se você não é curioso, se você não quer entender o que está por trás daquilo, você vai ficar para trás. Acho que com curiosidade, com certeza, ter essa relação e essa empatia com as pessoas para que você tenha lideranças cada vez mais humanas, para mim é fundamental. Porque tudo aquilo que é técnico... hoje quando eu vou contratar alguém, eu estou muito menos preocupado a parte técnica, o que a pessoa já fez do ponto de vista operacional, transacional, e estou muito mais preocupado com essas soft skills, que são essas habilidades mais relacionadas ao comportamento humano e tanto que essa pessoa realmente tem isso como um valor. Então, acho que isso para mim é o fundamental".

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