‘O varejo supermercadista brasileiro está à frente no que tange à adaptação às novas demandas dos consumidores’

Roberto James é autor do livro "Vivendo o Varejo Americano: uma viagem no coração do consumo".
Leia na íntegra a entrevista da ASSERJ com Roberto James, especialista em comportamento do consumidor

O varejo brasileiro está em transformação. Com a crescente demanda por experiências personalizadas e a evolução tecnológica, os supermercados precisam se adaptar rapidamente para se manterem competitivos. Em entrevista exclusiva à ASSERJ, o especialista em comportamento do consumidor Roberto James, 48, revela os principais desafios e oportunidades do setor.

Mestre em psicologia, James mergulhou no varejo americano para entender as nuances relacionadas ao indivíduo mais consumista do mundo. E essa viagem por mais de 16 estados americanos, além de Toronto, no Canadá, resultou no recém-lançado livro “Vivendo o Varejo Americano: uma viagem no coração do consumo”.

Na sua avaliação, o varejo supermercadista brasileiro está à frente no que tange à adaptação às novas demandas dos consumidores e à evolução tecnológica, mas ainda há muito a ser feito.

O especialista enxerga falta de atenção às necessidades do consumidor e ao uso ineficiente de tecnologias como a inteligência artificial, que facilita a conectividade com o cliente.

Ele afirma que o mercado varejista por aqui ainda ouve pouco o consumidor. Destaca que, embora as palavras de ordem sejam facilidade, velocidade e simplicidade, muitos varejistas não se dedicam a entender os anseios do público.

James menciona também que as lojas são uma mina de informações que passam todos os dias e não são colhidas. Ele defende que os varejistas deveriam usar os dados gerados pelos sistemas de gestão e fidelidade para entender melhor o comportamento do consumidor e personalizar a experiência de compra.

Na obra, James traz ainda a visão de dois dos maiores eventos varejistas do mundo, a NACS – National Association Concenience Store Show que acontece todo ano intercalando entre as cidades de Atlanta, Chicago e Las Vegas. E também a NRF – National Retail Federation Big Show que acontece todos os anos em Nova York, há mais de 100 anos.

Esses dois eventos são como importantes faróis para o varejo norte-americano e mundial, alertando, orientando e conduzindo o varejista, revendedor e empresário, em proporções gigantescas, para o futuro.

Veja os principais trechos desta conversa:

ASSERJ: Quais as principais tendências você observa atualmente no varejo supermercadista brasileiro?

Roberto James: Os supermercados, no Brasil, têm trazido para si a prerrogativa de testar as inovações e estão sempre antenados com as novidades. O maior foco, assim como o varejo em geral, é olhar mais para o consumidor e entender as mudanças de comportamento mais factíveis dentro do cenário atual. Investimento em multicanalidade e interatividade pode ajudar a melhorar essa conexão. Lembrando da máxima do varejo: segurar o cliente na loja é mais do que compras. Focar na jornada do cliente, não para torná-la mais rápida, mas para criar um ambiente altamente conveniente.

Quais estratégias você recomenda para que os supermercados se tornem mais competitivos em um mercado em constante evolução?

Primeiro, entender o perfil do seu cliente e trabalhar nos aspectos mais importantes das novas gerações, como layout interativo. É possível isso num supermercado? Claro que sim. Os jovens de hoje estão muito tempo no digital. O importante é não deixar o supermercado tão sofisticado que agrade aos jovens, mas que espante os mais velhos. Essa ideia de que pessoas de idade não gostam de tecnologia é mito. O consumidor não gosta de burocracia e nada complicado de se mexer. Deixo como dicas espaços mais instagramáveis nas lojas – isso os fornecedores podem ajudar, e também a liberação de cupons de desconto com a interatividade dentro da loja. Por que não, além de conhecer melhor o seu cliente, premiá-lo dentro da loja?

Como a personalização e o autoatendimento estão moldando o futuro do varejo supermercadista no Brasil?

Os supermercados são a vanguarda do autoatendimento. Agora estão na fase de transformar setores antes validados por pessoas pelo autoatendimento. Isso, no varejo, é chamado de omnichannel, ou seja, dar diversas possibilidades ao seu cliente de comprar e pagar. Imagine as possibilidades de alguém fazer as compras, ir para o trabalho e, logo após, deixar suas compras em casa? Imagine um carrinho inteligente com um tablet que, ao invés de ir computando as compras, vai mostrando as promoções, e com o histórico do cliente que fez login, indicando melhores compras e promoções? O quanto a indústria não pagaria para estar nesses carrinhos sugerindo receitas, modos de preparo e diversas dicas na hora da compra do cliente? Quem sabe uma lista de compras previamente listada que ele acesse na hora sem precisar levar escrito, por exemplo…

Num trecho do livro você escreve: “As palavras de ordem são facilidade, velocidade e simplicidade para que o cliente possa escolher. Para isso, é preciso ouvir o consumidor”. O mercado está ouvindo bem o consumidor?

Muito pouco. Na verdade, a indústria se especializou nisso muito bem, enquanto os supermercados validam as informações recebidas de seus fornecedores. Quando a frase “dados é o novo petróleo” foi dita, pode-se não ter pensado nos supermercados, mas as lojas são uma mina de informações que passam todos os dias e não são colhidas. Para se ouvir o cliente tem que se ter cuidado e especialização. Não pode ser de todo jeito. O cliente, muitas vezes, nem sabe o que quer ou por que exatamente está reclamando. O setor precisa se especializar melhor e se preparar para ouvir o maior especialista no seu negócio: o cliente!

Você também escreve: “Estamos crescendo em números absolutos em uso de inteligência artificial, mas ainda não aprendemos a lidar bem com a ferramenta”. E complementa: “Os sistemas ou softwares para o varejo, postos e lojas de conveniência do Brasil estão no top das inovações tecnológicas existentes. Nisso o empresário brasileiro pode se orgulhar. Mas o que se vê são poucos varejistas usando o máximo de seus potenciais”. Onde estamos falhando mais e quais medidas possíveis para resolver isso em tempo hábil?

Esse, talvez, seja um dos tesouros que o setor supermercadista deixa cair no ralo todos os dias: “usar toda a potencialidade dos sistemas”. É como ter uma Ferrari para andar numa estrada esburacada: primeiro, precisa-se calçar a rua. Isso significa usar as potencialidades dos sistemas a todo vapor. Nos acostumamos a usar o software para emitir notas, contar estoques e fazer pedidos, mas ali está todo ecossistema de compras dos clientes, tais como hora, produtos, dia, devoluções, trocas, assiduidade, entre outros, que por mais específicos que sejam, deixam milhares de rastros por dia de como o consumidor quer ser atendido e o que quer comprar. Essas informações são valiosíssimas e podem ajudar não só a composição do mix mas, aliado a pesquisas de opinião bem estruturadas, podem indicar o caminho que a loja deve seguir.

A inteligência artificial tem ajudado muito mas, para isso, é preciso se familiarizar. Assim aconteceu com a mudança da máquina de escrever para o computador. Tinha centenas de escolas ensinando. Hoje, mal tem curso de como usar Inteligência Artificial. Por isso deve-se fazer um esforço para a popularização do uso da ferramenta como forma de garantir uma melhor empregabilidade do seu colaborador, assim como uma melhora sistemática na sua produção atual.

Somente usando o máximo do potencial dos seus sistemas, seja de gestão ou de fidelidade, e potencializando com as ferramentas de IA, as lojas de supermercado estarão sempre ao lado do consumidor, quase que adivinhando seus desejos de tão sintonizado que está.

Por Publicado em: 19 de novembro de 20240 Comentários