Escala 6X1 do CLT: início do fim? Venha saber!
Para supermercadista, ideia é bacana mas exige incentivo fiscal para ser viável
Modelo usual na indústria e comércio, a escala 6×1, em que os profissionais com carteira assinada trabalham seis dias consecutivos da semana e têm um descanso semanal, totalizando as 44 horas laborais, vem sendo debatida e ganhando adeptos ao seu fim.
Há hoje uma proposta de emenda à Constituição (PEC), encabeçada pela deputada federal Erika Hilton (Psol), mas sem assinaturas suficientes para debate no Congresso. A proposta é alterar para uma escala 4×3, em que o empregado trabalha quatro dias da semana.
O modelo foi testado e aprovado por algumas empresas brasileiras, dentro do projeto da organização 4 Days Week Brasil, mas especialistas destacam que seu sucesso pode se limitar a algumas áreas de atuação, e que é preciso cautela nos argumentos.
Isso porque os custos da empresa podem aumentar com a contratação de mais trabalhadores para suprir as folgas extras e também os encargos sociais destas contratações.
“É muito difícil se não houver um incentivo fiscal”
O diretor do Grupo Adonai Ronaldo Leal concorda que a redução da jornada de trabalho traria benefícios para os trabalhadores como uma boa saúde mental e aumento na produtividade, mas que isso exigiria um aumento no número de funcionários, o que poderia gerar um impacto significativo nos custos das empresas, especialmente considerando as baixas margens de lucro do setor.
Para que a jornada proposta seja viável, ele enumera, é necessário implementar incentivos fiscais que compensem as empresas pelos custos adicionais, e de um acordo entre sindicatos, empresas e governo:
“É tão bacana pensar nessa questão holística do ser humano, mas para o varejo é muito difícil se não houver um incentivo fiscal. Acho que é possível, mas não é uma coisa para médio prazo. Tem que haver compensações para todas as naturezas.”
Para o economista Roberto Gianetti, da USP, incentivos fiscais devem ser temporários e destinados a objetivos específicos, sem criar dependência das empresas em relação ao governo. “O governo não produz, ele arrecada, e isso vem dos produtores. Pensar que o governo pagará para manter empregos é um equívoco”, disse, destacando que é crucial preservar recursos públicos para áreas como a Previdência. “Precisamos continuar avançando na reforma da Previdência, pois a estrutura demográfica do Brasil exige soluções financeiras sólidas para o futuro.”
Gianetti, ex-diretor de Relações Internacionais e Comércio Exterior da FIESP, enfatiza que o mercado de trabalho está em uma “transição trabalhista” global impulsionada pela automação e inteligência artificial. Esse fenômeno exige que empregadores e trabalhadores adaptem-se a novas demandas de produtividade e ajustes nas jornadas. Segundo ele, ajustar o modelo 6×1, entre outros, pode preservar empregos e garantir que o aumento de produtividade permita remunerações mais estáveis ou até maiores.
O economista também alerta os empresários para a importância de manter um ambiente de trabalho saudável e respeitoso. “Empresas que buscam economizar abruptamente, como algumas grandes redes de varejo, acabam sofrendo perda de qualidade no ambiente interno e na motivação dos funcionários”, pondera.
Para Gianetti, o equilíbrio entre empregadores e empregados é fundamental para lidar com a transição trabalhista de forma justa e saudável. Ele defende que essa transformação nas relações de trabalho, impulsionada pela automação e novas tecnologias, deve ocorrer sem que uma das partes tire vantagem excessiva ou sofra prejuízos significativos. O economista acredita que, com responsabilidade e equilíbrio, é possível preservar a qualidade do emprego e a remuneração justa, garantindo uma adaptação benéfica para todos.
Custo de soluções ainda são barreiras no Brasil
Autor do livro “Vivendo o varejo americano”, Roberto James argumenta que a implementação imediata do fim da escala 6×1 no varejo e na indústria brasileira enfrentaria desafios significativos, principalmente por fatores econômicos e tecnológicos.
Ele aponta que, embora existam tecnologias avançadas para automatizar processos em supermercados e indústrias, como câmeras, softwares e sistemas de autoatendimento, a disseminação e o custo dessas soluções ainda são barreiras no Brasil.
“A mão de obra no Brasil é relativamente barata, o que torna a substituição por máquinas e sistemas automatizados economicamente inviável para muitas empresas, especialmente no curto prazo”, ele afirma.
Apesar dos desafios iniciais, James acredita que a automatização traria benefícios significativos para o varejo e a indústria no longo prazo, como aumento da eficiência, redução de custos e melhoria da experiência do cliente.
Ele destaca que setores como o atendimento em caixas de supermercados e a logística em centros de distribuição são os mais propensos a serem automatizados devido à existência de tecnologias já maduras. Mas observa que a transição para um modelo mais automatizado exige um planejamento cuidadoso e investimentos significativos em tecnologia e treinamento de funcionários.
Produtividade aumentou significativamente
A 4 Day Week Brazil é uma organização sem fins lucrativos que administra programas piloto, trabalha com governos para definir políticas e facilitar pesquisas. Em parceria com a Reconnect Happiness at Work & Human Sustainability e a Fundação Getulio Vargas Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV-EAESP), ela promoveu um relatório com 19 empresas que implementaram a semana de 4 dias por seis meses.
No documento, quase metade dos participantes (48.2%) percebeu um aumento no ritmo de trabalho, enquanto 46.6% notaram estabilidade. O volume de trabalho permaneceu constante para 77.9%, com apenas 1.0% relatando diminuição.
A pressão no trabalho se manteve igual para 65.6%, mas 20.1% sentiram um aumento. O nível de engajamento cresceu para 60.3% dos participantes, e a produtividade aumentou significativamente para 71.5%. O comprometimento com a empresa também aumentou para 65.5%.
Os dados coletados indicam que a implementação da semana de 4 dias trouxe resultados positivos. A produtividade e o engajamento dos funcionários aumentaram significativamente, sugerindo maior satisfação e motivação.
O comprometimento com a empresa também cresceu, indicando potencial fortalecimento da lealdade dos funcionários. Embora quase metade tenha percebido um aumento no ritmo de trabalho, a pressão no trabalho diminuiu para uma parte significativa, sugerindo que a semana reduzida não necessariamente aumentou o estresse.
A estabilidade no volume de trabalho para a maioria dos participantes indica que as responsabilidades podem ser gerenciadas eficazmente dentro de uma semana de 4 dias.
Mais de um milhão pede por proposição no Legislativo
Para avançar no rito legislativo e começar a ser discutida no Congresso, a PEC precisa, antes, do apoio de pelo menos um terço dos deputados (171 assinaturas) ou um terço dos senadores (27 assinaturas). Até agora, Erika conseguiu apenas 71 assinaturas na Câmara.
A adesão popular, porém, mostra outro cenário. Até o momento, 1,3 milhão de pessoas já assinaram a petição online pedindo pela proposição no Legislativo.
É importante que o setor esteja atento a essas possíveis mudanças para estudar a melhor forma de se preparar para um novo cenário. E também que todos os setores envolvidos estejam abertos a discussões.