ASSERJ alerta! Supermercadistas: seus colaboradores estão preparados para lidar com episódios sensíveis?

RH Delicados

O supermercado é a extensão das despensas dos brasileiros e, portanto, um estabelecimento que recebe milhares de pessoas diariamente. É natural que, num mundo adoecido no qual vivemos, em alguns momentos, as lojas tenham que lidar com acontecimentos sensíveis envolvendo clientes.

Nesses dias, um caso viralizou nas redes sociais e está fazendo o varejo supermercadista refletir: estamos prontos para agir com equilíbrio, acolhimento e responsabilidade nos momentos sensíveis que ocorrerem dentro das nossas lojas?

Inclusive, é muito oportuno esse tema seja pauta para toda a sociedade quando, no mundo corporativo, estamos trabalhando a implementação da NR1 – gerenciamento de riscos ocupacionais para a segurança e saúde no trabalho. A ASSERJ promoveu, no Conselho de RH, um encontro com especialistas de RH e Direito do Trabalho para debater NR1 e, claro, aproveitamos para conversar com eles sobre o recente episódio que chamou a atenção da sociedade e do varejo. Vem conferir.

Saúde mental é mais que estratégia: treinamento é sempre a resposta

Fred Figner, psicólogo empresarial e consultor de RH, explica: “Promover, dentro dos espaços, das trilhas de liderança ou dos treinamentos de atendimento, conteúdos sobre saúde mental é fundamental. Porque quando estamos atendendo, quem entra no seu espaço, no seu ponto de varejo, pode vir qualquer tipo de personalidade ou pessoa com qualquer tipo de transtorno. E, nos últimos anos, tem-se aumentado muito esses tipos de transtornos, especialmente em crianças. Os dados de saúde mental no Brasil são alarmantes. Tratar da saúde mental, hoje em dia, deve estar dentro da estratégia do negócio”.

“Agora, dentro do treinamento, e isso é muito importante, se vamos trabalhar com saúde mental e temas associados, é importante que tenha profissionais especializados para trabalhar isso. Hoje em dia, muita gente fala de saúde mental, de inteligência emocional, dos transtornos, sem a devida formação técnica para falar. Fazer o diagnóstico, o tratamento, falar sobre os conteúdos, requer conhecimento técnico e um olhar muito profissional e muito sério para lidar com isso”, prossegue o psicólogo.

Bárbara Ferrari, advogada e consultora empresarial trabalhista, alerta para a necessidade de um treinamento contínuo para lidar com casos sensíveis: “É preciso um treinamento contínuo das pessoas que estão ali na ponta para atender. Não só para a equipe de segurança ou de controle de patrimônio propriamente dito, mas como para operadores de caixa, as pessoas que estão ali no cuidado com o público”.

O cliente entrou em surto. E agora?

Bárbara pontua os limites que colaboradores precisam ter nas abordagens de episódios de crise de algum indivíduo neuro-divergente: “Legalmente falando, a empresa não pode utilizar de força desproporcional, não utilizar técnicas como mata-leão, por exemplo. A intenção da empresa é que ela mantenha, naquele momento, uma legítima defesa proporcional, assim como qualquer ato que vá acontecer. Indicado é que a aproximação seja sempre uma forma de orientação e contenção não física. Uma contenção muito mais no sentido de apoiar aquela pessoa que em um momento de surto, tentando fazer com que ela volte a um estado de pré-consciência, se assim for possível, limitando os danos à própria vida dessa pessoa. A atuação não deve ser só em relação ao patrimônio especificamente do mercado ou de outros clientes, mas a própria vida daquela pessoa que está ali naquele momento em surto. A intenção é que isso seja muito mais uma forma de orientação do que efetivamente de emprego de força”.

Fred Figner também alerta: “Uma pessoa em surto não está com a cognição estabilizada. Ela perdeu o nível de percepção de realidade e as emoções tomaram conta. Ela não está processando. Em alguns casos, o mais interessante é se afastar e esperar a pessoa baixar um pouco o nível. Se afastar, mas, claro, protegendo o indivíduo e, ao mesmo tempo, os demais clientes. Claro, se pessoa começa a quebrar tudo, começa a se agredir, então, aí, é preciso uma contenção. Mas é uma linha muito tênue entre a hora que se deve fazer uma intervenção ou não”.

“Cada postura tem uma forma de abordagem, mas é possível criar um protocolo geral, dentro dos contextos. Hoje em dia, lidamos com tudo de um tudo. Deveria haver, dentro dos treinamentos de atendimento, um módulo para falar de transtornos mentais. Isso também vale para os treinamentos de liderança, porque o líder tem que se autogerir, mas também gerir a equipe, e tem que estar mais antenado com esses conteúdos. E como fazemos isso? Com educação. Educação emocional, educação corporativa. Essa área de desenvolvimento nunca foi tão requisitada, por dois aspectos. Primeiro, porque é muito difícil recrutar e selecionar hoje, ainda mais para o mercado. E segundo porque quem é recrutado precisa se desenvolver, emitir um novo comportamento ou aprender uma nova tarefa, como em uma situação como essa”, afirma o psicólogo.

A questão não acaba após o surto: atenção aos efeitos em suas equipes

O consultor de RH também apresenta outro ponto de atenção: “Acho que o importante a falar é que depois que acontecer uma situação dessas, a área de Recursos Humanos tem que ter alguém capacitado, ou chamar alguém capacitado, para reunir aqueles colaboradores e dar um suporte psicológico a eles também. O pós-evento também precisa ser elaborado pela equipe e dar o suporte. Uma outra estratégia, e agora estou falando de ação mesmo, é fazer um plantão psicológico dentro das empresas que se interessam. O que é o plantão psicológico? Um psicólogo, em uma carga horária disponível, que não vai fazer psicoterapia, mas sim o acolhimento. Pode ser online ou pode ser presencial, mas, o principal, é resgatar essa equipe após um evento. Precisamos pegar os times, o líder, explicar o que aconteceu, acolher o sentimento que as pessoas falarem, dar o suporte psicológico, até porque, para essas pessoas também é traumático, você está trabalhando no seu caixa e ter uma pessoa quebrando tudo ali, é um potencial risco para todos. Assim, as pessoas também vão entender que aquilo aconteceu porque se trata de um transtorno, que ocorre de tal forma. Hoje em dia trabalhar com atendimento ao público já é um risco psicossocial. Você não sabe quem vai atender, porque ao abrir a porta do supermercado, qualquer tipo de pessoa pode entrar”.

Questões jurídicas: cuidado com os limites!

Outro ponto de grande preocupação são as questões jurídicas decorrentes desses episódios e suas possíveis consequências. Bárbara Ferrari enfatiza: “O limite do supermercado é a proteção do cliente. A primeira coisa que a equipe precisa estar preparada no atendimento é observar danos graves, quando há quebra de produtos, vidros… a ideia é não ter danos maiores do que o que já está acontecendo dentro da circunstância do evento danoso. Então, o supermercado pode, sim, vir a ser responsabilizado caso os agentes do próprio supermercado utilizem força desproporcional, maior do que o próprio evento, por exemplo. O conselho jurídico é sempre afastar os clientes daquela circunstância, tomar o cuidado de ter uma manutenção daquele espaço controlado, não utilizar em forma nenhuma força maior do que a força que está sendo empregada naquele momento. Sempre chamar os órgãos competentes, SAMU, em alguns casos até propriamente a Polícia Militar, que tem a expertise para intervir”.

“O treinamento do colaborador, na verdade, desde a admissão do colaborador, precisa ter nos contratos de trabalho as normas claras sobre o uso de imagem. Hoje em dia, num mundo globalizado, num mundo tecnológico, as filmagens são comuns. O que orientamos as empresas é que desde o primeiro momento, a hora da contratação de trabalho, já estejam no contrato as cláusulas claras sobre o uso de direitos de imagem, de vídeo, de fala. O ideal é que todos estejam orientados a não falar nada sobre a instituição, sobre o fato ocorrido, e que os treinamentos sempre reforcem essa política e que nada seja declarado sem uma orientação do setor jurídico, do órgão ou do setor competente. Esse treinamento precisa ser contínuo, documentado, inclusive. Deve ser investido também em segurança do trabalho, nos DDS, reforçando esse entendimento sempre”, também analisa advogada.

Bárbara completa: “No aspecto jurídico também é importante que se abra um procedimento interno para a apuração de todo o evento e guardar as imagens, evidências, para que possam ser utilizadas também de forma jurídica ou com todo o grau de sigilo que é necessário. Empresas que têm compliance devem observar, já dentro das políticas que foram estabelecidas, procedimentos e normas. Quanto mais evidências, nominando as pessoas que estavam dentro daquele local, melhor, para que haja, inclusive, um treinamento posterior, uma adequação do procedimento, caso exista alguma divergência. O material também servirá para alguma demanda judicial que venha o supermercado a sofrer naquele momento”.

Dica da ASSERJ: mapeie riscos, evite crises

A gerente de Gestão de Pessoas da ASSERJ, Michelle Rodrigues, dá a dica a todos os associados: “Enquanto liderança, temos que mapear os gerenciamentos de riscos que possam haver. Gerente de loja, gestor de setor, gerente de pessoas, todos são responsáveis. Quais são os gerenciamentos de risco, crises de um modo geral, que possam vir a ter dentro da sua equipe, dentro do seu segmento, dentro do seu supermercado? Quais são as crises que podem acontecer, seja diretamente com clientes, seja com a sua equipe? É fundamental mapear isso tudo e o quanto é possível mitigar a crise e o que fazer diante dela. É preciso que tudo isso seja mapeado, porque assim, já se pensa o que se pode prever e treinar para quando isso acontecer. É importante termos esse preparo”.