Cade aprova compra da Garoto pela Nestlé
Uma decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) movimentou a indústria de chocolates nos últimos dias. A autarquia federal aprovou, na quarta-feira passada (07), a compra da Chocolates Garoto pela Nestlé Brasil, após 21 anos desde o início do negócio. O aval foi condicionado a um Acordo em Controle de Concentrações (ACC), que tem como objetivo preservar a concorrência no mercado brasileiro de chocolates.
“Considerando o histórico de mais de 20 anos desse caso e a existência de um novo marco legal do antitruste no país, a negociação entre Cade e Nestlé resultou em um acordo com medidas que se mostram proporcionais e suficientes para mitigar impactos concorrenciais no cenário atual e garantir os interesses dos consumidores”, afirma o presidente do Cade, Alexandre Cordeiro.
O ACC também será usado como acordo judicial, que põe fim ao processo que tramita na Justiça há quase duas décadas. Tudo começou em fevereiro de 2002, quando a Nestlé comprou a Garoto. No entanto, em fevereiro de 2004, a operação foi vetada pelo Cade, pois resultaria em uma concentração de mais de 58% do mercado nacional de chocolates. Na época, os julgamentos do conselho ocorriam depois que os negócios eram concretizados pelas empresas, mas a Lei n° 12.529/11, em vigor desde maio de 2012, alterou esse procedimento e introduziu a análise prévia de atos de concentração no Brasil.
Com o veto do Cade à compra da Garoto, a Nestlé entrou na Justiça em 2005. Com base em uma decisão judicial de 2009, que determinou ao Cade a reabertura do ato de concentração e a realização de um novo julgamento do caso, a autarquia retomou a análise da operação em junho de 2021.
Uma avaliação recente realizada pela Superintendência-Geral do Cade aponta que, entre 2001 e 2021, houve uma significativa entrada de concorrentes nos dois segmentos que levantaram preocupações na primeira análise do caso: chocolates sob todas as formas (industrializados prontos para o consumo) e cobertura de chocolate. No primeiro, a participação de mercado da Nestlé/Garoto caiu de 50%-60% em 2001 para 30%-40% em 2021. No segundo, a empresa saiu de 80%-90% para 20%-30%, deixando de ser a líder no setor.
Para a Superintendência-Geral do Cade, a disputa no mercado nacional de chocolates foi reconfigurada nos últimos 20 anos. Por isso, não faz sentido manter a reprovação do negócio. “Esta ideia é reverberada na percepção de mercado de que os impactos da fusão Nestlé/Garoto já foram absorvidos pelo mercado ao longo destes anos”, conclui o parecer.
Já a consultora de varejo da Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (ASSERJ), Walquyria Majeveski, acredita que é possível que boa parte do impacto que pudesse ser causado pela compra da Garoto pela Nestlé tenha sido absorvida pelo mercado, mas faz uma ressalva. “Não podemos deixar de avaliar que qualquer aquisição acontece motivada pelo aumento da participação no mercado, ganho de sinergia operacional, conquista de maior vantagem competitiva ou como uma ação defensiva contra a concorrência”, observa a especialista.
A aprovação da compra da Garoto pela Nestlé incluiu um acordo com uma série de medidas que a empresa deve cumprir. Uma delas é que a Nestlé deve manter a fábrica da Garoto, em Vila Velha, no Espírito Santo, em funcionamento durante o período mínimo de sete anos.
A Nestlé também não poderá adquirir, por cinco anos, ativos que representem, acumuladamente, participação igual ou superior a 5% do mercado. O compromisso não se aplica a aquisições internacionais, com efeitos no Brasil, realizadas pelo controlador da Nestlé ou empresa do seu grupo econômico. Nesses casos, o negócio deverá ser informado ao Cade.
Outra cláusula do acordo obriga a Nestlé a comunicar ao Cade, por um prazo de sete anos, qualquer aquisição de ativos que caracterize ato de concentração no mercado nacional de chocolates, abaixo do patamar de 5%. Também durante sete anos, a Nestlé se compromete a não intervir nos pedidos de terceiros relacionados à concessão de redução, suspensão ou eliminação de tributos incidentes na importação de chocolates para o mercado brasileiro.
“Para a Nestlé, o crescimento e o fortalecimento da Garoto sempre foram cruciais para a evolução da empresa no Brasil. Mantivemos investimentos consistentes, sempre destacando suas marcas icônicas e fomentando o desenvolvimento de toda a cadeia de valor. A conclusão do Cade é técnica e revela entendimento sobre um setor que se mostra muito competitivo, aberto e em crescimento”, diz o CEO da Nestlé Brasil, Marcelo Melchior.
A Garoto é uma marca 100% brasileira, que existe há 94 anos e exporta para mais de 20 países. A fábrica da Garoto está entre as 10 maiores de chocolates do mundo. São mais de dois mil colaboradores, entre diretos e indiretos. O portfólio da marca conta com mais de 80 produtos, entre eles os clássicos Baton e Serenata de Amor.
Para Walquyria, mudanças no mercado de chocolates acontecerão em um futuro próximo. “Respeitados os prazos definidos pelo ACC, o mercado certamente vai perceber mudanças no mix de produtos ofertados. Muitos devem sair de linha ou serem modificados em função de ganhos de sinergia ou estratégias de marketing. Na busca por sinergia operacional, será possível também o fechamento de alguma unidade e ainda outras mudanças que possam representar economia para a indústria”, avalia a consultora da ASSERJ. “Apesar do crescimento de novas marcas e produtos no mercado, nos últimos 20 anos, é esperado que o consumidor tenha, em um futuro próximo, menos alternativas de escolha para a compra de chocolates na linha dos mais populares”, conclui.